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A Garota do Espelho 1

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Shizukana-Yume's avatar
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Espelhos, eram as únicas coisas que cercavam a garota que sentava solitariamente no centro daquele local; olhava fixadamente para frente, seu rosto carregava uma tristeza indizível, não podia-se saber o que tanto a perturbava, apenas fitava a cena a sua frente, onde uma mulher a olhava intentamente como se tentasse descobrir os mais íntimos segredos de nossa frágil criatura; após alguns momentos desistiu de seu intento e, virando-se, saiu do campo de visão dela, fazendo um suspiro ser ouvido naquele recinto vazio.

Virando-se para a esquerda notou que desta vez uma criança a olhava e, brevemente, um sorriso brotou em seus pequenos lábios, desaparecendo tão rápido quanto surgira; o garoto se olhava enquanto experimentava diferentes tipos de boné, a despeito da atividade parecer completamente normal para a idade dele, a garota solitária sabia que ele queria parecer diferente e que não gostava realmente de ser si mesmo, isto a entristecia demais; tão logo o garoto se foi lembranças começaram a correr sua mente.

Nem toda sua existência foi de tamanha tristeza, houve uma época em que se poderia confundir esta garota como qualquer outra do outro lado daquelas paredes de vidro; no principio apenas habitava beiras de lagos, calmos rios ou até mesmo largas folhas onde a chuva se depositara, quando os ainda primitivos humanos olhavam para ela e se maravilhavam com a magia que a rodeava.

Mal pode conter a felicidade quando estes descobriram uma maneira de trazê-la para dentro de suas casas, usando algo que chamavam de vidro banhando com prata na sua parte de trás; podiam repetir a mesma magia no aconchego e segurança de suas residências sem que para tanto precisassem correr perigo; a vida para a simples garota do espelho não podia ser melhor, ou assim pensava, porém as coisas tomariam um rumo muito pior que poderia sequer imaginar um dia em sua existência.

Com o passar dos séculos as pessoas passaram a não mais sentir a magia que era ver sua face refletida em algo, algo pertencente aos humanos lentamente passou a corromper o aquilo, não demorou muito para as pessoas não mais terem prazer ao ver lá refletido o seu ser, algo diferente as tomava, mistura de pavor com repulsa, sem que soubessem o motivo para tal.

Passaram então a fugir da dura e gelada realidade ao invés de tentar consertá-la, passaram a usar o espelho para ser ver como gostariam de ser, não como eram; usavam toda sorte de artifício para conseguir tal feito, maquiagens, mascaras e recentemente simplesmente refaziam suas feições com algo que chamavam de cirurgia plástica; tudo isso em nome de algo que chamavam ora de "moda" outras de "beleza"

- Será que nunca mais sentirei em minha existência - disse a garota para o vazio - a alegria de um adulto se olhando unicamente para se encantar com o que vê? - recebendo apenas o eco daquela vazia sala como resposta de sua prece.

Certo dia, porém, estava a observar milhares de seres que, como sempre, tentavam olhá-la e ver algo que não poderia estar nela refletida quando reparou em um garoto que via frequentemente, como sempre se olhou, mexeu em seu rosto, olhou para seu peito, virou-se e olhou o quanto pôde suas costas, retornando novamente a se encarar; após fazer isto algumas vezes mais, desistiu e voltou a sua mesa onde, de posse de um lápis continuou em seu mister o qual a garota desconhecia.

Como vira varias vezes a mesma cena não notou a principio nada diferente, porém quando estava prestes a olhar para outro local reparou algo diferente naquele garoto, tão logo suas mãos passaram a deslizar pelo papel com a mesma maestria e delicadeza de um patinador do gelo, sua aura começou a mudar lentamente, o que antes era negro e sombrio lentamente tomava uma cor azul e dourada.

Intrigada a garota aproximou-se da parede e passou a prestar a máxima atenção ao garoto, tentando entender o que acontecia e, para sua surpresa, também viu que a mudança era tal que sua aura parecia que brilhava, ficou ainda mais surpresa quando olhou para seus pés e notou que tais sentimentos passaram a barreira do espelho e chegaram a este lado da existência; ajoelhou-se e viu serem estes sentimentos uma mistura de determinação e felicidade.

"Tão fortes a ponto de chegarem aqui..." a garota pensou "é algo muitíssimo raro... quem é este garoto realmente?".

A curiosidade da garota aumentou de tal forma que tudo o que passou a fazer era observar o misterioso garoto atentamente sempre que podia, especialmente enquanto trabalhava; o fato de não poder ver o que tanto trabalhava naquela mesa do outro lado da sala a fazia ficar extremamente intrigada, não era raro reparar-se com o rosto colado na parede tentando vê-lo melhor, seu desespero era tanto que chegou a chamá-lo algumas vezes a despeito de saber sê-lo inútil.

A certa altura, o garoto olhou para o espelho que ficava à suas costas, após alguns instantes ele disse como para si mesmo "devo estar ficando louco, não há ninguém por perto me chamando", virando-se e continuando a desenhar.

- Ele me ouviu?!?! - exclamou exaltada a garota, continuando - sou eu!!! Estou aqui! - enquanto esmurrava a parede que teimava em separá-los - deixe-me ver o que te faz tão feliz!!!".

Estava prestes a desistir quando o garoto olhou novamente para o espelho e, levantando-se, dirigiu-se até este e tão logo estava diante deste:

- Acho que posso usá-lo como segunda perspectiva... - pegando o espelho em suas mãos em seguida.

Após trazer o espelho até a sua mesa, pendurou-o ligeiramente inclinado logo acima de sua própria fonte de tal sorte que ele podia olhar para cima e ver seus desenhos por cima; a garota mal podia conter sua felicidade, já que agora podia ver o que fazia o tão triste garoto transmutar-se em tamanha fonte de bons sentimentos.

Desde aquele momento o garoto continuou sua rotina quase que sem alterá-la em nada, com exceção de falar sozinho, como se conversasse com o espelho, seja quando o olhava para ver como seus desenhos estavam ficando por outra perspectiva, ou mesmo quando tinha olhos apenas para seu trabalho; não sabia precisar o porquê, mas aquilo fazia bem, podendo notar o quanto seu trabalho tinha se tornado mais prazeroso desde então.

A garota estava maravilhada com o que via, aqueles desenhos a lembravam de épocas remotas, quando grandes artistas de nome ainda andavam pela Terra, não por serem épicos como estes, mas por terem como essência o mesmo amor e gosto pela arte; a curiosidade dela atingiu seu ápice no dia em que o garoto terminou um desenho que, para ela, era de uma beleza rara, sem se conter perguntou em voz alta "por que você desenha"; para seu grande espanto, como se ele tivesse registrado mentalmente sua pergunta, ele respondeu:

- Eu gosto de ver as pessoas que recebem meus desenhos felizes - olhou então seu desenho recém-acabado - como este aqui, vou dá-lo a uma pessoa que está muito triste, pois acabou de perder seu pai - foi então interrompido por batidas na porta.

O garoto foi abrir a porta e, instantes depois, retornou com uma garota cuja aura tinha um misto de extrema tristeza e esperança, tão logo a mostrou o desenho a garota o abraçou e começou a chorar copiosamente em seus braços; de dentro do espelho, vendo o que ocorria a menina do espelho achou que talvez ela não tivesse gostado do que viu, porém sua aura lia-se alivio, foi então que algo dentro de si mudou.

A garota do espelho já tinha visto toda sorte de pessoas passaram diante si, porém puras e bondosas como este garoto, especialmente após crescerem, eram tão raras como diamantes rosa; um sentimento de espanto, felicidade e emoção brotou pela primeira vez dentro dela e, inesperadamente, lágrimas começaram a descer por sua face, levou a mão até uma delas, olhando-a com espanto, já tinha visto inúmeras vezes pessoas chorando diante de si, mas nunca tinha o tinha feito, alias sempre acreditou ser desprovida dos "sentimentos" que tanto falavam do outro lado.

Após despedir-se da pessoa que presenteou, o garoto retornou a sua mesa e notou algo estranho, havia duas linhas de água escorrendo pelas laterais do espelho "gozado" pensou, chegando perto e viu que não havia nenhum vazamento na parede; continuou olhando atentamente apenas para constatar que aquilo não parava "chega a parecer que o espelho está chorando".

A garota continuava seu sentido pranto com seu rosto colado a parece de vidro que os separava, não sabia o porquê isto a afetava tanto, apenas que estava feliz por ter tido a chance de ver mais uma vez alguém tão puro como aquele garoto; o que ela não notou foi que suas lágrimas estavam, junto com sua respiração, embaçando onde estava encostada, o que não passou despercebido.

O garoto sentiu, bem naquele momento, que havia algo diferente naquele espelho "devo estar ficando louco" pensou, chegando perto deste apenas disse:

- Sei que há alguém ai... - sorriu para o espelho - você esteve me observando este tempo todo, não? - tocando levemente na lateral dele.

A garota sentiu como se alguém acariciasse sua bochecha, a sensação era indescritível, era a primeira vez que alguém conseguia tocá-la; foi então que viu a real imagem do garoto, como ele se via, entendendo o porquê passava tanto tempo decepcionado com o que via no espelho, não por vaidade ou soberba, apenas como se fosse uma mente presa em um corpo alheio a seu próprio; foi então que ela, seja pela surpresa de tantas sensações desconhecidas para si, ou mesmo por querer agradecer ao garoto, quebrou um gravíssimo tabu.

Não teve tempo para pensar nas consequências de seu deslize, momentos depois o garoto, espantado, pôde ver no espelho refletido a imagem que sempre soube internamente ser ele, não aquilo que outros espelhos sempre o mostravam; rapidamente a garota se desesperou, começou a gritar, afastando-se da parede, sabia que o que fez não podia ser desfeito, a pessoa nunca mais veria sua imagem certa, seria considerada louca e jogada em algum canto.

O garoto sorriu novamente e, para o assombro ainda maior da garota, tocou o topo do espelho, fazendo-a sentir o toque novamente, não parecia ele perturbado, mas sim aliviado, dizendo em seguida:

- Obrigado pelo que você fez - olhou para a mesa onde trabalhava - você sempre quis ver o que eu fazia, esteve sempre me observando, não é? - seus olhos mostravam uma serenidade que apenas tinha observado enquanto desenhava.

A garota rapidamente correu para o espelho e, mentalmente, respondeu "sim", certo de que o garoto a ouviria.

- Entendo... - sorriu o garoto, certo de ter ouvido o espelho responder mentalmente - gosta tanto assim de meus desenhos? - recebendo novamente uma resposta afirmativa - gostaria que eu te desenhasse? - ofereceu, achando que se estivesse louco, ao menos faria o que ainda poderia.

A emoção tomou conta da pequena garota, nunca em sua existência alguém tinha se importado com ela e agora a única pessoa que admirava era a que o fazia; voltando a chorar apenas fez sim com a cabeça, o que o garoto soube ser uma afirmativa, foi então que sua alegria tornou-se tristeza quando ele perguntou:

- Por favor, diga-me como você é assim posso desenhá-la - sorriu docemente em seguida, sentando-se para começar o trabalho.

Sabia que era mentalmente exaustivo para o garoto ficar recebendo a resposta por meio da intuição, portanto para uma comunicação mais direta a garota aproximou-se do vidro e, usando sua respiração para embaçar o vidro, usou o dedo para escrever a resposta:

- Eu não sei, nunca pude ver minha verdadeira forma - escreveu tristemente.
- Você nunca conseguiu se ver em lugar algum? - respondeu o garoto, rapidamente pegando outro espelho - mesmo contra outro espelho? - colocando-o defronte daquele espelho.
- Não, pois somos iguais - respondeu a garota, uma solitária lágrima desceu por seu rosto.
- Iguais? - perguntou o garoto, espantado - o que quer dizer com isso?
- Somos iguais pois... - a garota escreveu, certa do que deveria fazer - os outros e os espelhos apenas refletem o que os outros pensam que somos, mas não... - decididamente concluiu - como realmente somos... assim como a ti até pouco tempo atrás.
- Você tem razão... - o garoto comentou, pensativo - então... terei que usar meu coração... - apontou para o espelho, como se soubesse que apontava diretamente para a garota - para vê-la como você realmente é.

O garoto passou então a pensar em como era a garota, meditou como poderia uma entidade tão importante se parecer... "uma rainha, com roupas caras e finas?", ponderou "não, uma rainha apenas se veste assim, pois a veem", imaginou-se dentro daquele mundo do espelho, estando ao seu lado, brincando a pequena... e uma imagem veio em sua mente; rapidamente pegou um pano, cobrindo o espelho em seguida, sussurrando:

- Não saia daí, apenas quero te fazer uma surpresa, está bem? - sentando-se novamente em seu lugar.

A expectativa e ansiedade da garota eram imensuráveis, ficava perguntando-se "como este garoto me verá?", cada segundo era quase um século, ouvia o relógio em seu ritmado compasso na parede, teriam dias se passado? Meses talvez? Não sabia precisar, apenas que, subitamente o pano foi retirado e a imagem do sorridente garoto apareceu, dizendo rapidamente:

- Desculpe a demora, mas finalmente consegui o que eu queria - apontou para um papel em sua mesa - mas precisava conseguir te desenhar exatamente como eu te via, e aqui está o resultado - pegou o papel e colocou-o defronte o espelho - o que você acha?

Seja a beleza indescritível do simples desenho, ou mesmo os sentimentos e magia por de trás dele, que nada mais mostrava uma garota ruiva, sardas em seu rosto, olhos azuis como o céu, um simples vestido branco de uma peça, não parecia ter mais de doze anos; era assim que a garota do espelho era? Ajoelhou-se e, copiando o que via muitas vezes por ai, rezou agradecendo o garoto que a desenhara, chorando copiosamente enquanto o fazia, até o momento em que uma luz muito forte a cegou.

Gradualmente sua visão começou a retornar, porém ao olhar a sua volta não viu as paredes de vidro, mas sim um garoto que, a despeito de parecer extremamente surpreso, não deixava de sorrir para ela, foi então que entendeu que, assim como quando mostrava aos outros suas verdadeiras formas, ao ter a sua desvendada por um coração a fazia poder ter forma física da de um espelho, sabendo que devia sua vida a ele, perguntou:

- N... Nunca tive a chance de perguntar - curvou-se em seguida, tentando copiar algo que já tinha visto antes - m... mas qual o nome daquele que me trouxe a este mundo?
- Tinha um nome que não uso mais - coçou a bochecha acanhadamente - porém para ti posso dizer meu verdadeiro nome - olhou-a nos olhos - sou conhecido como poochi - apontou para a garota - e você, garota do espelho?
- Meu... nome? - perguntou-se como se pega de surpresa - eu sempre fui chamada de espelho... nunca... tive um nome real...
- Hmmm... se importaria se te desse um nome? - perguntou o garoto, seguro de si.
- Claro!!!! - respondeu a garota, extasiada com a possibilidade - Depois de passar a eternidade lá dentro, amaria ter um nome dado por ti poochi-kun!
- Como você sempre viveu em um espelho... que tal... - pensou por alguns instantes e disse -ser chamada de Kagami?
- Kagami? Que nome lindo! - exclamou sorridente a garota - obrigada!
- Então Kagami-chan - disse o garoto, enquanto caminhava na direção dela - agora que tem corpo físico e real - afagou-lhe a cabeça, sorriu e perguntou - o que mais deseja fazer?
- O que eu quero fazer? - olhou para o garoto - posso fazer o que eu quiser? - tendo apenas como resposta um aceno positivo de cabeça dele - bem... então eu quero... - corou levemente e, ainda fitando-o, respondeu decididamente - quero acompanhar e apreciar sua arte para sempre!
Este é um pequeno conto de 5 capítulos que estou escrevendo para agradecer a alguns dos meus melhores amigos e "família" que ganhei aqui, o primeiro é dedicado :iconmr-tiaa:; apenas lembrando que a ordem de ocorrência na história não indica quem é mais ou menos em meu coraçãozinho, são todos the very best!
© 2014 - 2024 Shizukana-Yume
Comments7
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Subiculum's avatar
meu deus, q comovente ç~~~ç  kagami e poochi, amei, lindos fofos demais <3 sao dois anjinhos, a narrativa mostra bem isso AOJDOASJDIAJIAD <3